O tema principal em debate no mundo é o coronavírus. No Brasil é a maior ameaça à vida da população, uma vez que o presidente Bolsonaro insiste em tratar como uma “gripezinha”. No meio de tudo isso há um segmento social completamente invisibilizado: os povos indígenas.

Muitos deles em contato com as pequenas e médias cidades ao redor das aldeias correm sérios riscos de contaminação, pois são obrigados a comprar alimentos ou mesmo trabalhar.
Outros, que vivem mais afastados, são abordados por madeireiros, garimpeiros e os próprios técnicos de saúde, quando aparecem.
Algumas aldeias que ficam na principal cidade do Brasil, São Paulo, no Jaguará, entraram em isolamento social, seguindo as orientações da OMS (Organização Mundial de Saúde) por decisão dos próprios indígenas.
Associações indígenas e entidades têm denunciado que órgãos federais não têm adotado as providências necessárias para proteger as comunidades. Não há materiais básicos, como máscaras, água, sabão e luvas para lidar com eventuais casos nas aldeias. Nem há testes para que possam fazer o exame dos que estão com sintomas.
Nesta quarta-feira (1) foi anunciado pela Fundação de Vigilância em Saúde do Amazonas (FVS-AM) o primeiro caso de contágio comprovado entre indígenas no país. Uma mulher de 19 anos da etnia Kokama, moradora da aldeia São José, em Santo Antônio do Içá, há cerca de 250 quilômetros da fronteira com a Colômbia.
Até então a Sesai (Secretaria Especial de Saúde Indígena) não tinha anunciado nenhuma confirmação de contaminação pelo conoravírus entre povos indígenas brasileiros.
Segundo matéria de O Globo, o município de Santo Antônio do Içá já soma quatro casos positivos para a Covid-19, entre eles o próprio médico que acredita ter contraído o vírus durante viagens aos estados de Santa Catarina e Paraná. Santo Antonio do Iça, que tem cerca de 25 mil habitantes, possui ainda outros 54 casos suspeitos aguardando resultado e outros 50 já foram descartados.
“Nós povos indígenas somos um dos segmentos mais expostos à situação de vulnerabilidade, diante da atual pandemia do coronavírus. E continuamos invisibilizados. Já foram muitas as epidemias virais que exterminaram povos e culturas, sabemos, juntamente com os parentes quilombolas a dor de passar por isso”, diz a indígena Raquel Tremembé, do Maranhão, que está na Secretaria Executiva Nacional da CSP-Conlutas.

A médica sanitarista Sofia Mendonça, pesquisadora da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), declarou à BBC Brasil que há forte risco de o vírus se alastrar pelas comunidades e provocar um genocídio e ter impacto comparável ao de grandes epidemias do passado, como as causadas pelo sarampo.
“Todos adoecem, e você perde todos os velhos, sua sabedoria e organização social. Fica um buraco nas aldeias”, disse.
“Mesmo quando mencionam grupos em situação de vulnerabilidade, ninguém fala da nossa especificidade e realidades locais dos nossos povos e comunidades. A nossa luta é diária, não somente contra sucessivos invasores e suas ações predatórias. Mas também com as doenças trazidas por eles, como: sarampo, varíola, gripe”, denunciou Raquel.
Boletins epidemiológicos divulgados pela Secretaria Especial da Saúde Indígena (Sesai), subordinada ao Ministério da Saúde, apontaram que até segunda-feira (30/3) havia 13 casos suspeitos de infecção entre indígenas. Os infectados são de cinco regiões do Brasil.
Para tentar minimizar a epidemia entre os indígenas que vivem nas cidades seria necessário que ao apresentarem sintomas deveriam imediatamente ser testados para a doença. Se não houver confirmação da doença, deveriam voltar rapidamente à aldeia, para reduzir as possibilidades de contágio com o contato com a cidade.
Entretanto, a Secretaria Especial de Saúde Indígena não dispõe de testes para detectar a Covid-19. Também faltam máscaras e outros itens básicos proteção para lidar com eventuais casos nas aldeias.
Diante da falta de ações governamentais para enfrentar a pandemia, muitos servidores e organizações parceiras estão, por conta própria, tentando ajudá-los arrecadando itens de limpeza e alimentos para enviar às comunidades.
Segundo Raquel, diante da atual crise sanitária que estão enfrentando, o coronavírus é mais uma praga. “Produzida pela acumulação capitalista, tem origem política e econômica e que agora se torna uma crise de saúde pública”, denuncia.
A indígena defende que cabe ao Estado providenciar medidas para atenuar a sua dívida acumulada até hoje com os povos e comunidades originárias.
O bispo Roque Paloschi, presidente do Cimi (Conselho Indigenista Missionário), declarou à imprensa que as ações do governo federal para proteger as comunidades da pandemia estão muito aquém do necessário.
“Temos a preocupação de que o governo aproveite essa situação para retirar toda a assistência das comunidades, estabelecendo um caos completo e visando a retirada dos indígenas dos seus territórios”, afirma o bispo.

Campanhas de arrecadação de recursos

O temor de desabastecimento em meio à pandemia tem feito muitas comunidades indígenas promoverem campanhas para arrecadar recursos.
Sem dinheiro para comprar sabão, máscaras e luvas para evitar o risco de contágio, indígenas do Jaraguá, na Zona Norte de São Paulo, fizeram uma vaquinha virtual por meio das suas redes sociais.
São aproximadamente 600 indígenas do povo Guarani Mbya que vivem da venda de artesanatos aos visitantes, mas para se protegerem do coronavírus, bloquearam entradas e saídas das seis aldeias da comunidade onde moram por medo do risco que correm.
Thiago Henrique Karai Djekupe, de 26 anos, uma das lideranças indígenas na região disse à imprensa: “Fechamos nossa comunidade.”

A principal preocupação são com as pessoas de risco, como crianças com problemas respiratórios, pessoas com hipertensão, problemas crônicos, diabetes e temos bastante idosos”.
No Maranhão, o povo indígena Tremembé, em conjunto com outros povos da região, apresentou à CSP-Conlutas as propostas que defendem para um Plano de Ação Emergencial, que inclua medidas de proteção aos povos indígenas e os tradicionais:
• Garantir a proteção dos nossos territórios, independente da fase de regularização em que se encontram, principalmente os povos indígenas isolados e de recente contato.
• Suspender qualquer tentativa de despejo, em retomada dos territórios de ocupação tradicional.
• Fortalecer com dotação alçamento área adicional, o subsistema de saúde indígena, isto é, a Sesai (Secretaria Especial de Saúde Indígena), os DSEIs (Distritos Sanitários Especiais Indígenas) e as CHSHIs (Casas de Saúde Indígena).
• Aprimorar o subsistema com medidas de prevenção, sobretudo nas aldeias próximas a centros urbanos.
• Revogar imediatamente a portaria nº 419/PRES de 17 de março 2020 da Funai, conforme recomendado pelo Conselho Nacional de Saúde e a 6ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal / PGR. A portaria, principalmente no seu art. 4º, retira da Coordenação Geral de Índios Isolados, a responsabilidade de proteger esses povos, repassando para as coordenações regionais do órgão indigenista, ressaltando que essas regionais não dispõem de condições alguma de assistência a esses povos, tanto no quadro qualificado e estruturas. Por fim, reafirmamos a total ausência política do atual governo em elaborar um plano de contingência para surtos e endemias, considerando as especifidades dos nossos povos, o seu modo de vida comunitário.

Via: CSP-Conlutas.