Exaustão, medo, sobrecarga de trabalho, estresse, privações. Contaminação pelo vírus, morte de pacientes, de colegas, de parentes. Ansiedade, insônia e depressão. Essa é a dura realidade vivenciada pelos profissionais da saúde que atuam na linha de frente do combate à covid-19.

Um ano após a pandemia do novo coronavírus chegar ao Brasil, essa é a situação que enfrentam os profissionais da saúde em meio ao colapso da rede hospitalar no país – com ocupação máxima de leitos, recordes diários no número de mortes, mortes em filas de unidades hospitalares e falta de equipamentos e insumos.

Profissional na linha de frente da covid-10, a técnica de enfermagem Kelly Jane Pinheiro Teixeira, diretora do Sindsaúde/RN, conta o quanto é difícil atuar nas unidades hospitalares sob o caos da pandemia. “Estamos fazendo um esforço sobre-humano, é muito desgastante, não é fácil lidar com tantas mortes por dia. Temos adoecido física e psicologicamente. As condições de trabalho que eram precárias, agora estão ainda mais precarizadas. Somos cobrados pela família, pelos pacientes e pela gestão. É um trabalho sob muita pressão, nos é exigido uma linha de produção, mas  tratamos de vidas humanas”, lamenta.

O projeto de pesquisa “Condições de Trabalho dos Profissionais de Saúde no Contexto da Covid-19”, realizado pela Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) em todo o território nacional recentemente aborda amplo levantamento sobre as condições de trabalho dos profissionais de saúde desde o início da pandemia. Ambiente e jornada de trabalho e aspectos físicos, emocionais e psíquicos constaram da análise.

“A pesquisa retrata a realidade daqueles profissionais que atuam na linha de frente, marcados pela dor, sofrimento e tristeza, com fortes sinais de esgotamento físico e mental. Trabalham em ambientes de forma extenuante, sobrecarregados para compensar o elevado absenteísmo. O medo da contaminação e da morte iminente acompanham seu dia a dia”, disse a coordenadora do estudo, Maria Helena Machado, em comunicado divulgado pela Fiocruz.

De acordo com a investigação, a pandemia alterou de forma significativa a vida de 95% dos profissionais da saúde. O que torna a situação ainda pior é que 46% reclamam do excesso de trabalho e 22% afirmam que o trabalho é extenuante, sendo que 14% estão no limite da exaustão. Além disso, 45% deles necessitam de mais de um emprego para sobreviver. “É uma sobrecarga absurda”, disse Kelly.

Ainda em 2020, a médica do Hospital Municipal de Salvador Sara Pontes, 30 anos, contou ao R7 sobre a situação desesperadora que a fez pedir transferência de setor. “Os primeiros dias foram os mais difíceis. Quando a pandemia começou, fui destacada do meu posto de trabalho e colocada para atender na enfermaria de covid-19. Confesso que entrei em uma crise nervosa”.

“É um 7 a 0 todo dia”, desabafou na época Sara, que pediu desligamento da residência em medicina de família e comunidade para focar apenas nos plantões. “Trabalhava quase 60 horas por semana e cheguei a ter um Burnout (estado de esgotamento físico e mental)”, disse.

A saúde mental se tornou intensamente abalada neste período. “As alterações mais comuns citadas foram perturbação do sono (15,8%), irritabilidade, choro frequente e distúrbios em geral (13,6%), incapacidade de relaxar e estresse (11,7%), dificuldade de concentração ou pensamento lento (9,2%), perda de satisfação na carreira ou na vida, tristeza e apatia (9,1%)”, segundo matéria do UOL sobre resultado da pesquisa da Fiocruz.

Falta tudo

O médico Gustavo Treistman, que trabalha da Clínica de Família Souza Marques em Madureira e no Hospital Municipal Rodolfo Rocco em Del Castilho, ambos na Zona Norte do Rio de Janeiro, atende diretamente pacientes com covid-19 e conta um pouco do drama que vivem esses profissionais.

“Depois de 1 ano de pandemia, estamos no pior momento. Para nós profissionais de saúde, em particular, a sensação de cansaço, de exaustão, é muito intensa”, afirma o médico que também explica a situação do profissional que trabalha no SUS (Sistema Único de Saúde): “Pra quem trabalha no SUS a dificuldade é grande. Falta tudo, falta material, faltam testes, não temos o que fazer com o paciente, e temos um volume muito grande de atendimentos e a necessidade de resolver tudo. A sensação é de que estamos enxugando gelo. A gente atende, atende, atende e os números só crescem”, queixa-se o médico.

Na quinta-feira, último dia 25, saiu na imprensa que devido à precarização e ao trabalho extenuante, a Santa Casa de São Carlos (SP) recebeu o pedido de demissão de 27 profissionais em apenas dois dias.

De acordo com Gustavo, o fato do governo não tomar medidas efetivas para conter a propagação do vírus e o discurso negacionista de Bolsonaro propiciam que pessoas que continuem se aglomerando. “Para o profissional de saúde é muito desmotivador, a contaminação cresce na emergência, no ambulatório, e não temos o que fazer, a sensação é de impotência”, frisa.

Outros fatores agravam ainda mais essa situação. No Rio, por exemplo, uma boa parte dos profissionais de saúde estão sem conseguir tirar férias há dois ou três anos. A saúde é quase toda terceirizada por OSs (Organizações Sociais) nas quais trocam os profissionais de unidades o tempo todo para não dar férias.

“Por todas essas questões, estamos assistindo em nossa categoria o aumento dos casos de depressão, de ansiedade e síndrome de Burnout. A nossa vida é bem corrida, muito sacrificada e com adoecimentos. Nós cuidamos da saúde, mas adoecemos”, denuncia Gustavo.

Via: CSP-Conlutas.