O presidente da Câmara dos Deputados Arthur Lira (PP-AL) conseguiu aprovar na noite desta terça-feira (9), em segundo turno de votação, a PEC dos Precatórios (PEC 23), com um placar de 323 votos a favor e 172 contra.

Conhecida como a PEC do Calote, a medida cria um limite e parcela o pagamento de precatórios devidos pelo governo e muda o cálculo Teto de Gastos. Além disso, o texto traz um “contrabando” que também desvia recursos públicos para a fraudulenta Dívida Pública. O texto seguirá agora para tramitação no Senado.

Novamente, a aprovação se deu com base em negociatas com liberação de emendas e manobras, apesar de a liberação das chamadas “emendas de relator” terem sido suspensas após decisão liminar da ministra do STF (Supremo Tribunal Federal) Rosa Weber. Também conhecidas como “orçamento secreto”, essas emendas são distribuídas pelo relator do Orçamento aos parlamentares que quiser e sem controle, e vem sendo uma das principais moedas de troca atualmente entre o governo e o Congresso.

Segundo levantamento do UOL, a partir de dados dos sistemas Tesouro Direto e Integrado de Orçamento e Planejamento (Siop), às vésperas de votação da PEC 23, entre os dias 1° de outubro e 8 de novembro, foram gastos R$ 3,3 bilhões.

Calote de mais de R$ 49 bilhões

Precatórios são dívidas do governo que já tiveram o pagamento determinado pela Justiça, sem caber recurso, e que, portanto, deveriam ser pagas. São dívidas de natureza salarial, previdenciária, tributária e qualquer outra causa que o governo tenha sido derrotado após ações judiciais. Os credores são brasileiros, como aposentados e professores, por exemplo, ou ainda empresas, estados e municípios.

De acordo com a PEC, em 2022, apesar da estimativa de que a dívida com precatórios seja de cerca mais de R$ 89 bilhões, serão pagos cerca de R$ 40 bilhões. De acordo com o texto aprovado, do relator Hugo Motta (Republicanos-PB), o limite das despesas com precatórios valerá até o fim do regime de teto de gastos (em 2036). O valor não pago será rolado para anos seguintes.

Serão afetados por essa medida, todos aqueles que tenham dívida acima de 60 salários mínimos (R$ 66 mil). Isso porque a partir desse valor o pagamento não será mais feito à vista, mas parcelado.

Os precatórios continuam a ser lançados por ordem de apresentação pela Justiça e aqueles que ficarem de fora em razão do limite terão prioridade nos anos seguintes. Contudo, o credor de precatório não contemplado no orçamento poderá optar pelo recebimento em parcela única até o fim do ano seguinte se aceitar desconto de 40% por meio de acordo em juízos de conciliação. Ou seja, verá seu pagamento adiado e ainda terá desconto.

Esse calote irá prejudicar, por exemplo, professores da rede pública de estados e municípios. Isso porque cerca de R$ 16 bilhões são referentes a dívidas que a União tem como estados como Bahia, Ceará, Pernambuco e Amazonas em razão de um erro do governo no repasse de recursos do antigo Fundef (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério), que foi substituído pelo Fundeb (Fundo de Manutenção da Educação Básica).

Após negociações foi estabelecido que os precatórios relativos ao antigo Fundef serão pagos em três anos: 40% no primeiro ano e 30% em cada um dos dois anos seguintes. Entretanto, apesar de alteração em relação ao texto do relator, segue havendo perdas aos professores.

A PEC também estabeleceu uma manobra através da mudança no cálculo do Teto de Gastos, criado pela Emenda Constitucional 95. O limite de gastos públicos passa a ser calculado pela inflação acumulada em 12 meses até dezembro do ano anterior, o que irá ampliar o valor em 2022 em R$ 47 bilhões.

Fraude através da Dívida Pública

Outro ponto que se destaca na PEC 23 é um “contrabando” incluído no texto durante a tramitação na Câmara que instituiu a “securitização de créditos públicos”, conforme denuncia a Auditoria Cidadã da Dívida.

Na prática, esse mecanismo vincula impostos pagos pela população a um esquema fraudulento de desvio de dinheiro público. A ACD vem denunciando há tempos esse golpe, já praticado de forma ilegal por estados como São Paulo, Minas Gerais e Piauí.

De forma resumida, a securitização é a venda do fluxo da arrecadação tributária a um altíssimo custo de remuneração. O Estado assume todo o risco e, ainda por cima, oferece as garantias mais robustas que podem existir: entrega, ao comprador dos recebíveis, o fluxo da arrecadação tributária, isto é, o dinheiro dos impostos que pagamos, esclarece em artigo a coordenadora da ACD Maria Lúcia Fatorelli.

“Trata-se de esquema altamente fraudulento e inconstitucional, pois vincula os impostos arrecadados do povo ao pagamento das debêntures emitidas, por fora dos controles orçamentários”, afirmou.  Segundo Fatorelli, o esquema compromete o fluxo de arrecadação de estados e municípios de forma definitiva, o que irá trazer graves consequências para a população e serviços públicos.

Auxílio Brasil e eleições 2022

Com a PEC do Calote, Bolsonaro pretende garantir recursos bancar o programa Auxílio Brasil, que substituirá o Bolsa Família, bem como dinheiro para as chamadas “emendas do relator”, num descarado plano eleitoreiro visando as eleições de 2022.

Para se ter ideia, o valor de R$ 400 proposto previsto para o Auxílio Brasil será temporário e valerá apenas até o final de 2022, ano da eleição presidencial.

De 2023 em diante, a princípio, o valor da bolsa volta aos mesmos valores de hoje pagos pelo Bolsa Família, que é de uma média de R$ 190 por família.

A famigerada Emenda Constitucional 95, que instituiu o Teto de Gastos e congelou os investimentos públicos por 20 anos, e está na base da falta de recursos para serviços públicos essenciais, como Saúde e Educação, não foi atacada.

A tática do governo Bolsonaro, com apoio de Arthur Lira e do Centrão, é garantir uma manobra para ter recursos para seus planos eleitoreiros em 2022, mas não acaba com o Teto de Gastos, que seguirá desviando recursos públicos para alimentar a Dívida Pública.

Para garantir de fato investimentos públicos é preciso revogar, de fato, a EC 95 e o teto de gastos e suspender o pagamento da fraudulenta Dívida Pública que sufoca o país. Por isso, a luta para impedir que a votação dessa PEC dos Precatórios avance no Senado deve fazer parte das bandeiras de luta dos trabalhadores e suas organizações.

Via: CSP-Conlutas.