Um dos aspectos mais perversos da proposta da Reforma da Previdência, apresentada pelo governo Bolsonaro, é a instituição do sistema de capitalização. Com ele, cada trabalhador entregará parte de seu salário a um fundo de investimento privado, não havendo garantia de recebimento de aposentadoria no futuro.

No regime atual, os trabalhadores que estão na ativa contribuem para manter os benefícios daqueles que já se aposentaram. Além da contribuição dos trabalhadores, a Previdência Social também recebe recursos das contribuições patronais e de alguns tributos. Caso a PEC seja aprovada, a previdência pública, universal e por repartição, como existe atualmente, será destruída.

Mesmo com problemas, o modelo atual exerce um importante papel na proteção social. A Previdência Social atende aos trabalhadores em idade avançada, aos adoecidos e acidentados no e pelo trabalho, além de dar alguma segurança a idosos em condição de miserabilidade, entre outros. Não é para menos que os recursos distribuídos pela Previdência Social ocupam a segunda maior fatia do orçamento federal. Em 2018, foram 24,48%, de um orçamento de R$ 2,62 trilhões.

Na distribuição de recursos do Orçamento Público da Federal, a Previdência Social só fica atrás do pagamento de juros e amortizações da Dívida Pública, que em 2018 consumiu 40,66%. Os dados são da Auditoria Cidadã da Dívida. “Ao observar a execução orçamentária da União, podemos perceber que há uma disputa pelo fundo público”, argumenta Antonio Gonçalves, presidente do ANDES-SN.

Ele pontua que a Previdência Social é responsável por manter milhares de trabalhadores em todo o país, “ao passo que a maior fatia do orçamento vai para o pagamento dos juros e das amortizações, o que é chamado de Sistema da Dívida”, explica.

Segundo Antonio, estamos num momento de análise da PEC. “Mas já é possível perceber que a intenção do governo é entregar ao mercado financeiro a segunda maior fatia do orçamento da União”, diz. A mensagem anexa à PEC, escrita pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, dá o tom. Criticando o atual sistema de repartição como uma “poupança forçada”, ele defende que os recursos sejam disponibilizados para o mercado financeiro.

No Chile, miséria e suicídio de idosos

No Chile, as Administradoras de Fundos de Pensão (AFP) são as responsáveis por controlar e administrar os fundos de contas individuais de economias para pensões. Estima-se que 90% dos aposentados chilenos recebam menos de um salário mínimo local.

O Chile foi o primeiro país a seguir o modelo proposto. O regime de capitalização foi imposto aos trabalhadores chilenos durante a ditadura de Augusto Pinochet, em 1980. A partir de então, os trabalhadores se viram obrigados a depositar 10% do seu salário nos fundos de pensão privados. Atualmente, seis fundos de pensão atuam no país: três dos EUA, um de capital chileno, um colombiano e um brasileiro. O fundo brasileiro é o BTG Pactual, fundado por Paulo Guedes.

Os resultados são catastróficos. Estima-se que 90% dos aposentados chilenos recebam menos que um salário mínimo local. A miséria na terceira idade tem levado muitos idosos chilenos ao suicídio. Um estudo do Ministério da Saúde e do Instituto Nacional de Estatísticas aponta que 936 adultos maiores de 70 anos tiraram a própria vida entre 2010 e 2015. O índice de suicídio entre maiores de 80 anos é de 17,7 a cada 100 mil habitantes. Isso coloca o Chile na primeira posição em suicídio de idosos na América Latina.

Outros países que adotam esse sistema são Colômbia, México e Peru. Os quatro países estão em processo de revisão do regime por conta dos problemas que afetam trabalhadores e aposentados.

Manobra para aprovar capitalização

O regime de capitalização não será instituído imediatamente caso a PEC seja aprovada. O governo se utilizou de uma manobra para facilitar a aprovação da mudança do regime. Incluiu algumas menções à capitalização na PEC, assinalando que pretende aprová-la por meio de lei complementar, cuja aprovação exige apenas maioria absoluta.

O presidente do ANDES-SN critica a manobra. Para ele, é muito sério que uma PEC autorize que o futuro da aposentadoria dos trabalhadores seja decidido por lei complementar. Segundo Antonio, o mesmo expediente foi utilizado na votação da PEC da Reforma da Previdência, em 2003. Na época, o presidente Lula deixou para uma lei complementar a regulamentação do teto de aposentadoria dos servidores públicos. A lei complementar foi aprovada apenas em 2013, instituindo a previdência complementar dos servidores.

Luta para barrar a reforma

Mais de 10 mil trabalhadores estiveram na Praça da Sé no dia 20 protestando contra a Reforma da Previdência.

O presidente do ANDES-SN critica a tentativa do governo de acabar com a previdência pública. “Defendemos a previdência pública, universal e por repartição. É um sistema solidário que beneficia todos os trabalhadores. O sistema de capitalização individual acaba com a solidariedade de classe e aposta as aposentadorias dos brasileiros na loteria do mercado financeiro”, comenta o docente.

Antonio lembra que muitos servidores públicos já sofrem com essas incertezas devido aos planos de previdência complementar. Um exemplo é o Funpresp, fundo de pensão complementar dos servidores públicos federais dos Três Poderes que possui contribuição definida, sem benefício definido.

A resposta do Sindicato Nacional à PEC de Bolsonaro será a luta. Antonio Gonçalves ressalta que apenas com muita unidade e mobilização a classe trabalhadora será capaz de defender a previdência pública. O docente cita dois focos de ação do ANDES-SN: o Fórum Sindical, Popular e de Juventudes por direitos e liberdades democráticas e a atuação no conjunto das centrais sindicais.

O ANDES-SN participou do lançamento do Fórum na terça (19) em São Paulo. E, por meio da CSP-Conlutas, também atuou na Assembleia Nacional da Classe Trabalhadora na quarta (20). Seguindo deliberação do 38º Congresso do Sindicato Nacional, realizado no início do ano em Belém (PA), o ANDES-SN defende entre as centrais sindicais a necessidade de construção de uma Greve Geral para barrar os ataques.