A mobilização de diversos setores da sociedade impôs uma importante derrota ao governo Bolsonaro, com a aprovação em dois turnos nessa terça (21), na Câmara dos Deputados, da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 15/2015. O texto, que torna permanente o Fundo de Desenvolvimento e Valorização dos Profissionais de Educação (Fundeb) e eleva a participação da União no financiamento da educação infantil e dos ensinos fundamental e médio, segue agora para votação no Senado. 

Embora não tenha alcançado os patamares de financiamento desejados e traga pontos complicados, como a possibilidade de parceria com entidades sem fins lucrativos, a votação foi considerada uma vitória, em tempos de tantos ataques à educação pública.

“A aprovação da PEC impôs uma grande derrota ao governo, que tentou inclusive apresentar a proposta de que o novo Fundeb só passasse a valer a partir de 2022. E, embora ainda não tenhamos conquistado o percentual desejado de recursos para a educação básica, avaliamos como vitória, uma vez que a PEC inclui o Fundo na Constituição de forma permanente, e não mais com prazo de validade, como o atual, que vence em dezembro”, avalia Eblin Farage, secretária-geral do ANDES-SN.

Após não conseguir emplacar sua proposta nem desmobilizar a casa, o governo tentou apresentar destaques ao relatório da deputada Dorinha (DEM/TO), mas não obteve sucesso. As tentativas de retirar o piso de 70% do Fundeb para pagamento dos salários dos trabalhadores da educação, apresentada em destaque pelo partido Novo, e também de deixar fora do texto o custo aluno/qualidade (CAQi/CAQ) foram derrubadas. O texto-base da PEC 15/2015 foi aprovado em segundo turno por 492 votos a 6, além de 1 abstenção. No primeiro turno, realizado também na terça (21), o placar da votação foi de 499 votos a 7.

Confira alguns dos pontos da PEC votada pelos deputados e pelas deputadas:

Aumento gradativo dos recursos
De acordo com o texto aprovado, a contribuição da União para o Fundeb crescerá de forma gradativa de 2021 a 2026, para substituir o modelo cuja vigência acaba em dezembro.
Nos próximos seis anos, a parcela da União deverá passar dos atuais 10% para 23% do total do Fundeb, por meio de acréscimos anuais. Assim, em 2021 começará com 12%; passando para 15% em 2022; 17% em 2023; 19% em 2024; 21% em 2025; e 23% em 2026.

Os valores colocados pelo governo federal continuarão a ser distribuídos para os entes federativos que não alcançarem o valor anual mínimo aplicado por aluno na educação. Da mesma forma, o fundo continuará recebendo o equivalente a 20% dos impostos municipais e estaduais e das transferências constitucionais de parte dos tributos federais.

Em 2019, o Fundeb distribuiu R$ 156,3 bilhões para a rede pública. Atualmente, o fundo garante dois terços dos recursos que os municípios investem em educação. Os repasses da União, que representam 10% do fundo, não entram no teto de gastos, impostos pela Emenda Constitucional 95. 

Por não estar regulado pela EC 95, o governo queria desviar recursos do Fundeb para outras finalidades, como um programa de assistência social, área atingida pelos cortes do Teto dos Gastos. “Ao invés de propor a revogação dessa Emenda criminosa, o governo queria usar recursos da educação pública, que já não são suficientes, para outra finalidade, reforçando seu caráter de inimigo da educação pública”, criticou Eblin.

Desigualdades regionais
Dos 13% a mais que a União irá destinar ao Fundeb, até 2026, 10,5% deverão complementar cada rede de ensino municipal, distrital ou estadual sempre que o valor anual total por aluno (VAAT) não atingir o mínimo definido nacionalmente. A intenção é diminuir desigualdades regionais no recebimento do apoio.

Após acordo com o governo, pelo menos metade do dinheiro (5%) deverá ser destinada à educação infantil. A PEC prevê inclusive a destinação desse recurso, se for o caso, para escolas comunitárias, confessionais ou filantrópicas, um ponto problemático, pois já há vários exemplos nos estados de desvios de recursos públicos através de repasses de verbas para organizações sociais fazerem a gestão de escolas públicas.

Uma legislação futura deverá regulamentar vários detalhes sobre o Fundeb, inclusive o cálculo do VAAT, para o qual a PEC já define parâmetros. Outra regra determina que, no mínimo, 70% dos recursos extras deverão pagar salários dos profissionais da educação ‒ hoje, esse piso é de 60% e só beneficia professores ‒, e pelo menos 15% terão que custear investimentos nas escolas.

Ainda em relação aos professores, uma lei específica definirá o piso salarial nacional para a educação básica pública. A partir da vigência da futura emenda constitucional, fica explícito que o dinheiro do Fundeb não poderá ser usado para pagar aposentadorias e pensões, como queria o governo federal.

Gestão e qualidade
Os outros 2,5% que a União deverá colocar a mais no Fundeb serão distribuídos às redes públicas que cumprirem requisitos de melhoria na gestão previstos em lei e atingirem indicadores de aprendizagem com redução das desigualdades, nos termos do sistema nacional de avaliação da educação básica.
Entretanto, conforme o texto aprovado, essa parte do repasse extra da União começará a valer apenas em 2023 (no equivalente a 0,75 ponto), será ampliada ano a ano e atingirá a integralidade dos 2,5 pontos a partir de 2026.

Os entes federativos deverão usar os recursos do Fundeb exclusivamente em sua atuação prioritária definida na Constituição: os municípios cuidam da educação infantil e do ensino fundamental; e os estados, do ensino fundamental e médio. Assim, o dinheiro não poderá ser aplicado, por exemplo, em universidades.
Para cumprirem o montante mínimo de 25% dos impostos investidos anualmente em educação, também conforme a Constituição, estados e municípios poderão contar somente com 30% do total repassado pela União. Nenhum ente federativo poderá reter os repasses vinculados ao Fundeb, sob pena de crime de responsabilidade.

Regulamentação
A lei que regulamentará o novo Fundeb deverá levar em conta as metas do plano nacional de educação; o valor anual por aluno investido em cada etapa e modalidade; a transparência e o controle social dos fundos; e o conteúdo e a periodicidade da avaliação dos indicadores de qualidade.
Esse regulamento definirá ponderações relativas ao nível socioeconômico dos estudantes e à disponibilidade de recursos vinculados à educação e o potencial de arrecadação de cada ente federativo.

Quanto ao padrão mínimo de qualidade do ensino, a referência será o custo aluno qualidade, constante no Plano Nacional de Educação (Lei 13.005/14), com o objetivo de encontrar o financiamento necessário por estudante para a melhoria da qualidade da educação no Brasil.

Dados centralizados
O texto que segue para aprovação no Senado determina a centralização dos dados contábeis, orçamentários e fiscais da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios. O objetivo é garantir a rastreabilidade e a comparação dos dados para divulgá-los ao público.

No caso de uma reforma tributária, o texto prevê que deve ser garantida, em cada exercício financeiro, a aplicação dos montantes mínimos em educação por estados, municípios e União equivalentes à média aritmética dos últimos três anos, independentemente da extinção ou substituição de tributos.
Uma lei deverá regulamentar a fiscalização, a avaliação e o controle das despesas com educação nas esferas estadual, distrital e municipal.

A partir da publicação da futura emenda constitucional, os estados terão dois anos para vincular parte dos repasses do ICMS para os municípios a indicadores de melhoria nos resultados de aprendizagem e de aumento da equidade.

Atualmente, os estados repassam parte do ICMS arrecadado (25%) às cidades. A PEC diminui o total repassado proporcionalmente às operações realizadas no território de cada município e aumenta o mesmo tanto no repasse que nova lei estadual deverá vincular às melhorias na educação.

*Com informações da Agência Câmara de Notícias

Via: ANDES-SN.