No último dia 15, o governo Temer editou o Decreto nº 9.527/2018 que cria a Força-Tarefa de Inteligência para o enfrentamento ao crime organizado no Brasil.

Segundo o Art. 1º do referido decreto: “Fica criada a Força-Tarefa de Inteligência para o enfrentamento ao crime organizado no Brasil com as competências de analisar e compartilhar dados e de produzir relatórios de inteligência com vistas a subsidiar a elaboração de políticas públicas e a ação governamental no enfrentamento a organizações criminosas que afrontam o Estado brasileiro e as suas instituições.

Além da Abin (Agência Brasileira de Inteligência), fazem parte do grupo, entre outros, as Forças Armadas, a Polícia Federal, a Receita Federal e o Ministério da Segurança Pública. As atividades serão coordenadas pelo GSI (Gabinete de Segurança Institucional).

Alguns setores têm sustentado que se trata de uma espécie de AI-1, referindo-se aos Atos Institucionais editados no período da ditadura militar no Brasil, particularmente, o primeiro deles de 9 de abril de 1964 (logo depois do golpe militar) que levou o país às sombras e permitiu o aprofundamento da supressão de direitos civis e políticos, com sucessivos atos institucionais, que posteriormente foram fechando ainda mais o regime político, permitindo a cassação de todas as liberdades democráticas e institucionalizando a tortura como uma prática do Estado brasileiro. Prática, inclusive, que é denunciada até nos dias de hoje contra os aparelhos de repressão policiais.

Reagirmos e denunciarmos tal fato é uma necessidade urgente dos movimentos hoje, principalmente em razão da possibilidade de eleição do capitão do exército Jair Bolsonaro (PSL) à Presidência da República.

Bolsonaro é declarado defensor da ditadura militar e da tortura, além de defender abertamente o aprofundamento da criminalização das lutas sociais e do “aval legal” para, via ação dos aparelhos de repressão, aumentar ainda mais as mortes dos de baixo que lutam por direitos políticos e sociais. Inclusive, se eleito, Bolsonaro fala em condecorar os agentes militares envolvidos nessas ocorrências.

Infelizmente, a base para essa real possibilidade de aprofundamento de um aspecto mais bárbaro do estado brasileiro contra sua frágil democracia burguesa começou a ser construída anteriormente, ainda durante os governos do PT, com Lula e Dilma.

Entre 2007 e 2016 houve uma significativa reformulação legislativa no Brasil a partir de uma política de exigência do imperialismo. Vem se operando a modificação da essência da nossa frágil democracia representativa, valendo destacar as principais alterações: Força Nacional de Segurança (Lei nº 11.473/2007); Lei da Organização Criminosa (Lei nº 12.850/2013); Portaria “Garantia da Lei e da Ordem” (Portaria Normativa nº 3.461/2013) e Lei Antiterrorismo (Lei nº 13.260, 16/03/2016).

Queremos chamar a atenção aqui para alguns aspectos de criminalização das lutas e dos lutadores sociais, a partir dessas alterações da legislação, que já vem sendo utilizadas contra os movimentos e cujo cenário, com o novo decreto de Temer, é de aprofundamento da aplicação de medidas repressivas no âmbito das lutas sociais.

O primeiro deles se deu com a criação e aprimoramento de forças de segurança nacional, o que, na prática, serviu para atuarem na contenção da luta de classes nos momentos de aprofundamento de crise econômica, política e social. Outro aspecto é a permissão legal que já existe hoje, e é piorada com o Decreto nº 9.527/2018, de enquadrar as ações típicas de luta direta ou ação política dos movimentos sociais e populares como “organização criminosa”, tal como já dispõe a Lei de Organização Criminosa, nº 12.850/2013 (sancionado pela presidente Dilma Rousseff).

O Art. 1º, parágrafo 1º, estabelece: “Considera-se organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional”.

Ao se escrever uma norma legal de forma tão genérica como essa há uma permissão expressa para que se permita interpretar que as práticas legítimas de luta dos de baixo possam ser enquadradas como crime de associação criminosa. Prova disso é que já existem diversos lutadores, país afora, já enquadrados nessa legislação.

No entanto, tem um aspecto que chama ainda mais a atenção, que foi a edição da portaria “Garantia da Lei e da Ordem” (Portaria Normativa nº 3.461/2013), pela ex-presidente Dilma, que autorizou o uso direto das Forças Armadas em situação de crise política e social, sem qualquer necessidade de alteração de leis ou regras pela via parlamentar.

No capítulo 4, o texto conceitua o que seriam as forças oponentes ao regime e as possibilidades de intervenção da GLO (Garantia da Lei e Ordem):

4.3 Forças Oponentes

4.3.1 Em Op. GLO não existe a caracterização de “inimigo” na forma clássica das operações militares, porém torna-se importante o conhecimento e a correta caracterização das forças que deverão ser objeto de atenção e acompanhamento e, possivelmente, enfrentamento durante a condução das operações.

4.3.2 Dentro desse espectro pode-se encontrar, dentre outros, os seguintes agentes como F Opn:

a) movimentos ou organizações;

b) organizações criminosas, quadrilhas de traficantes de drogas, contrabandistas de armas e munições, grupos armados etc;

c) pessoas, grupos de pessoas ou organizações atuando na forma de segmentos autônomos ou infiltrados em movimentos, entidades, instituições, organizações ou em OSP, provocando ou instigando ações radicais e violentas; e

d) indivíduos ou grupo que se utilizam de métodos violentos para a imposição da vontade própria em função da ausência das forças de segurança pública policial.

Para coroar, em 16 de março de 2016, pouco tempo antes de ser alvo de impeachment, Dilma sancionou a Lei nº 13.260 (Lei Antiterrorismo), cujos setores reacionários do Congresso já se movimentam para alterar e incluir diretamente as condutas típicas dos movimentos sociais e populares.

O decreto nº 9.527/2018 de Michel Temer (MDB) se insere, portanto, nesse cenário sombrio de governos que, durante ao menos a última década, vem criando mecanismos que permitem recrudescer ainda mais a repressão em nosso país, com a centralização da política de segurança pública nos setores militares, de inteligência e controle das ações dos de baixo, com a justificativa de um suposto combate ao crime organizado.

O maior crime organizado para a burguesia é quando os de baixo se organizam para lutar e reivindicar seus direitos e se revoltam contra os ataques.

Afinal, o que são “organizações criminosas que afrontam o Estado brasileiro e as suas instituições”?  Por que essas leis e decretos são tão genéricos?

Paralelo a essa generalidade o que temos visto é que as organizações da bandidagem ou do tráfico de drogas e armas, por exemplo, não só seguem existindo como, em diversos casos, flagram-se estreitos laços desses com agentes do sistema de segurança pública (polícias e justiça criminal).

De fato, temos que ter uma grande preocupação com um eventual governo Bolsonaro, por se apoiar diretamente nas Forças Armadas, por indicar que tentará incluir ainda de forma mais direta as táticas de luta dos movimentos sociais e populares como “crime”, como, por exemplo, as ocupações de terra, a retomada de território por quilombolas e indígenas.

Preocupação não pode significar medo, mas, sim, deve despertar-nos mais consciência, organização e ânimo para fortalecer a luta e a nossa resistência.

Aliás, já está em tramitação no Congresso Nacional, com parecer favorável à sua aprovação, o PL 5065/2016, que altera a Lei Antiterror para incluir expressamente as condutas dos movimentos sociais como ato de terrorismo:

Art. 1º O artigo 2º, caput, da Lei 13.260, de 16 de março de 2016, passa a vigorar com a seguinte redação:

Art. 2º O terrorismo consiste na prática por um ou mais indivíduos dos atos previstos neste artigo, por razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião, ou por motivação ideológica, política, social e criminal, quando cometidos com a finalidade de provocar terror social ou generalizado,expondo a perigo pessoa, patrimônio, a paz pública, a incolumidade pública e a liberdade individual, ou para coagir autoridades, concessionários e permissionários do poder público, a fazer ou deixar de fazer algo (NR)

A legalidade burguesa, mas principalmente, seus instrumentos de repressão direta, são sempre um empecilho para a organização dos de baixo, por isso uma tarefa central que está colocada para nós é o fortalecimento de nossas organizações, a luta direta e, nesse momento, não abaixar a guarda quanto ao nosso direito de organização, às liberdades democráticas e nosso direito, inclusive de nossa auto-defesa, contra os ataques que já acontecem e que tendem a se acentuar.

Nenhum minuto de trégua!

Lutar não é crime. Lutar é um direito!

Avanilson Araújo, advogado, membro do Conselho Fiscal da CSP-Conlutas e dirigente do Luta Popular