A Câmara Federal concluiu, na madrugada dessa sexta-feira (12), a votação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 186 – conhecida como PEC emergencial. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM/MG) marcou a promulgação da PEC para segunda-feira (15).

A PEC 186/19, que estava em tramitação desde 2019 como parte da proposta de reforma administrativa do governo Bolsonaro, foi aprovada em dois turnos, nas duas Casas, em apenas uma semana, depois que foi incluído no texto o auxílio emergencial à população afetada pela pandemia. A liberação da ajuda financeira foi vinculada à aprovação dos ajustes fiscais e retirada de direitos de servidores públicos, o que fez muitos parlamentes se referirem ao texto como PEC da chantagem.

“Essa PEC é mais uma forma de precarização dos trabalhadores e trabalhadoras do serviço público e por consequência da precarização da qualidade dos serviços que prestamos para a população. Ao limitar os gastos com as despesas primárias, entre elas a de pessoal, congela nossos salários, entre outros ataques aos nossos direitos. No conjunto de tudo estamos enfrentando como categoria docente, por meio dos cortes orçamentários, da perseguição às liberdades democráticas, a imposição de condições precárias de trabalho do ensino remoto, a PEC 186 acentuará um quadro de exaustão, de assédio e de descaso com nossas vidas”, avalia Francieli Rebelatto, 2ª secretária do ANDES-SN.

Deputados da Bahia que votaram a favor da PEC 186. Fonte: Portal da Câmara dos Deputados.

A oposição apresentou vários argumentos e destaques para desvincular a aprovação do auxílio emergencial, necessária e urgente, dos ataques e ajustes fiscais exigidos como contrapartida pelo governo. No entanto, todas as tentativas de retirar do texto as medidas de desmonte foram derrotadas.

O programa de auxílio emergencial para 2021, com limite de R$ 44 bilhões, será financiado com créditos extraordinários, que não são limitados pela Emenda Constitucional 95. Logo, as despesas com o programa não serão contabilizadas para a meta de resultado fiscal primário e também não serão afetadas pela chamada regra de ouro — mecanismo que proíbe o governo de fazer dívidas para pagar despesas correntes, de custeio da máquina pública.

No início da semana, o governo anunciou que o auxílio deverá ser de R$ 175 a R$ 375 por quatro meses (março a junho). Para a família monoparental dirigida por mulher, o valor será de R$ 375; para um casal, R$ 250; e para o homem sozinho, de R$ 175.

Em 2020, foram direcionados R$ 292 bilhões para o pagamento de auxílio a cerca de 68 milhões de pessoas, em duas rodadas: na primeira, foram pagas parcelas de R$ 600 por cinco meses; na segunda, chamada de “auxílio residual”, foram parcelas de R$ 300 durante quatro meses e com um público-alvo menor.

De acordo com o deputado federal Glauber Braga (PSOL/RJ), não havia necessidade de uma emenda constitucional para a aprovação de um novo auxílio à população, uma vez que os recursos serão pagos por créditos extraordinários, o que tramitaria muito mais rápido e sem a necessidade de quórum qualificado para aprovação como é o caso de uma PEC.

“Eles diziam que só poderiam fazer o pagamento desse auxílio se aprovassem as outras medidas de austeridade. Mentira. O auxílio poderia ter tramitado no chamado crédito extraordinário, que precisa de muito menos votos do que uma proposta de emenda à constituição que precisa de 308. Era chantagem mesmo. Chantagem explícita. E, mais do que isso, estabeleceram um teto de aproximadamente R$ 40 bilhões para o pagamento do auxílio, o que também é muito menos do que as necessidades que o país está enfrentando nesse momento. E aí você pode se perguntar, mas tinha dinheiro para mais do que isso? Sim, o governo quando foi para manter a liquidez dos bancos apresentou um pacotão de R$ 1,3 trilhão para dar atendimento aos banqueiros, inclusive com a compra de títulos no mercado secundário. Mas, para atender as famílias, para que elas possam ter o mínimo para garantir sua sobrevivência, colocam todo tipo de dificuldade”, explicou o parlamentar em uma live em sua rede social nessa sexta-feira.

Resistência
O deputado Glauber Braga chama atenção para o fato de que a PEC 186 não é um ataque isolado. Segundo o parlamentar, o governo deve ampliar o desmonte com a Reforma Administrativa e “passar a boiada”, como disse o ministro do Meio Ambiente.

“Serviço público enfraquecido é mais poder para o mercado fazer o que ele quiser. E, além disso, o que eles estão tentando é também fazer negócios privados com o que deveria ser o interesse público. É uma derrota estrutural, isso não pode ser negado, mas nenhuma derrota dura para sempre”, afirma Braga. Para o deputado, é necessário lutar pela derrubada do governo e pela revogação da PEC 186 e da Emenda do Teto dos Gastos. “A nossa mobilização tem que continuar, não pode parar”, acrescenta.

A diretora do ANDES-SN também reforça que é necessário alertar a população para o desmonte dos serviços públicos quais os riscos que isso traz para a classe trabalhadora. Além de ampliar a luta da categoria docente, em conjunto com demais servidoras e servidores, contra esses ataques.  

“Temos que intensificar a denúncia dos desmontes deste governo genocida, mobilizando nossa categoria para que, em conjunto com os servidores públicos federais, estaduais e municipais, possamos seguir construindo agendas de luta unificadas. E sem dúvida, é fundamental o diálogo com o conjunto da população, fortalecendo os instrumentos de luta em unidade com o movimento sindical, popular e de juventude. Precisamos organizar e intensificar nossas lutas”, conclama Francieli Rebelatto.

Ataque aos servidores e desmonte dos serviços públicos
Embora tenha sido retirado o impedimento de progressões e promoções funcionais, o texto aprovado prevê gatilhos que congelam salários, abonos e outros direitos e benefícios dos servidores públicos, investimentos e concursos públicos, entre outros, até 2036. 

Na esfera federal, todas as vezes que a relação entre as despesas obrigatórias sujeitas ao teto de gastos (Emenda Constitucional 95) e as despesas totais superar 95%, os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário e o Ministério Público deverão vedar reajuste de salário para o funcionalismo, realização de concursos públicos, criação de despesas obrigatórias e lançamento de linhas de financiamento ou renegociação de dívidas. Segundo assessoria da Câmara dos Deputados, o Poder Executivo é o que está mais próximo desse índice, com 92,4%, e a estimativa é que chegue a 95% em 2024.

Os estados e municípios estão sujeitos à mesma regra dos 95%, porém apenas de forma facultativa. No caso desses entes da federação, também será possível acionar as medidas de contenção de gastos quando a relação entre despesas correntes e receitas correntes atingir 85%. Nesse caso, a implementação dependerá apenas de atos do Executivo, com vigência imediata. Das 27 unidades da Federação, 3 já ultrapassaram o limite de 95%: Rio Grande do Sul (98,27%), Minas Gerais (96,9%) e Rio Grande do Norte (95,7%).

Quanto à contratação de pessoal, novas exceções serão acrescentadas ao texto constitucional, permitindo a admissão temporária de pessoal e a reposição de temporários para prestação de serviço militar e de alunos de órgãos de formação de militares.

Incentivos e benefícios tributários
Segundo o texto aprovado, o presidente da República deverá apresentar, em até seis meses após a promulgação da emenda constitucional, um plano de redução gradual desse tipo de benefício. Foram colocadas como exceções a programas como o Simples, o subsídio a produtos da cesta básica e a Zona Franca de Manaus, a produtos da cesta básica e o financiamento estudantil para alunos do ensino superior.

Fundos públicos
Um destaque retirou do texto toda a parte que proibia a vinculação de qualquer receita pública a fundos específicos. Com isso, a Constituição Federal continua com a redação atual no dispositivo que proíbe apenas a vinculação de impostos aos fundos, com algumas exceções. A criação de novos fundos será proibida se seus gastos puderem ser alcançados por meio da vinculação de receitas orçamentárias.

Entretanto, outro artigo relacionado ao tema continuou no texto aprovado, permitindo ao Executivo Federal usar, até o fim de 2023, o superávit financeiro dos seus fundos públicos para pagar a dívida pública. A medida vale inclusive para estados e municípios, mas se o ente federado não tiver dívida pública para amortizar, o dinheiro será de livre aplicação.

Ficam de fora os fundos públicos de fomento e desenvolvimento regionais e, como o trecho da Constituição sobre vinculação não foi mudado, também não podem ser usados o Fundeb e os fundos de atividades da administração tributária.

Segundo informação divulgada pela Agência Reuters, apurada com representantes do governo, a avaliação é que o superávit dos fundos deve se aproximar de R$ 100 bilhões de reais este ano. Para 2022 e 2023, o volume será bem menor já que o grosso do estoque já teria sido repassado.

Calamidade pública
A partir da promulgação da PEC Emergencial, a Constituição passará a contar com um regime orçamentário excepcional para situações de calamidade pública — como é o caso da pandemia. Segundo o texto, durante a vigência do estado de calamidade, a União deve adotar regras extraordinárias de política fiscal e financeira e de contratações para atender às necessidades do país, mas somente quando a urgência for incompatível com o regime regular.

As proposições legislativas e os atos do Executivo com propósito exclusivo de enfrentar a calamidade e suas consequências sociais e econômicas ficam dispensados de observar várias limitações legais, desde que não impliquem despesa obrigatória de caráter continuado. Entre as regras que ficam suspensas está a proibição de concessão ou ampliação de benefício tributário que gere renúncia de receita. Também estão suspensos os limites e condições para contratação de operações de crédito. O regime extraordinário também permitirá a adoção de contratação simplificada de pessoal, em caráter temporário e emergencial, e de obras, serviços e compras.

O superávit financeiro apurado em 31 de dezembro do ano anterior poderá ser destinado à cobertura de despesas com medidas de combate à calamidade pública, além do pagamento da dívida pública. Durante a vigência da calamidade pública, ficará também suspensa a proibição de que pessoas jurídicas em débito com o sistema de seguridade social assinem contratos com o poder público.

A PEC prevê, ainda, que uma lei complementar poderá definir outras suspensões, dispensas e afastamentos aplicáveis durante a vigência da calamidade pública. A decretação do estado de calamidade pública, que vai disparar o regime extraordinário, passa a ser uma atribuição exclusiva do Congresso Nacional, a partir de proposta do Executivo.

Desvinculação de receitas
A PEC também muda regras para vinculação de receitas, liberando fatias do Orçamento que hoje são destinadas exclusivamente a certas áreas. Atualmente, a Constituição proíbe a vinculação de receitas tributárias, com algumas exceções. A proposta mexe nessa estrutura, estendendo a proibição para todos os tipos de receita e expandindo as exceções, por exemplo, para a vinculação de receitas para serviços de administração tributária — que passa a ser proibida.

Outros pontos da PEC
– Inclui os gastos com pessoal inativo e pensionistas no teto de despesa dos Legislativos municipais. Atualmente, esse teto inclui os subsídios dos vereadores, mas exclui gastos com inativos. A despesa não pode ultrapassar o somatório da receita tributária e das transferências constitucionais.

– Inclui os pensionistas entre as despesas com pessoal que não podem exceder os limites estabelecidos em lei complementar. Atualmente, a Constituição prevê apenas que a despesa com pessoal ativo e inativo da União, dos estados, do DF e dos municípios não pode ultrapassar esse limite, sem mencionar os pensionistas.

– Inclui no artigo constitucional que trata da administração pública a determinação de que órgãos e entidades façam, individual ou conjuntamente, uma avaliação das políticas públicas e divulguem os resultados.

– Veda a transferência a fundos de recursos oriundos dos repasses feitos aos Poderes Legislativo e Judiciário, ao Ministério Público e à Defensoria Pública, os chamados repasses duodecimais. Se houver sobra de recursos, ela deve ser restituída ao caixa único do Tesouro do ente federativo ou será deduzida das próximas parcelas de repasse.

– Inclui na lei a previsão de uma lei complementar para regulamentar a sustentabilidade da dívida pública. Essa lei deverá especificar indicadores de apuração; níveis de compatibilidade dos resultados fiscais com a trajetória da dívida; trajetória de convergência do montante da dívida com os limites definidos em legislação; medidas de ajuste, suspensões e vedações; e planejamento de alienação de ativos com vistas à redução do montante da dívida. A lei poderá autorizar ações de ajuste fiscal em caso de crise nas contas públicas. União, estados, Distrito Federal e municípios também deverão conduzir suas políticas fiscais de forma a manter a dívida pública em níveis que assegurem sua sustentabilidade, conforme a ser estabelecido pela lei complementar.

– Modifica o texto constitucional que trata da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para determinar que cabe a LDO estabelecer as diretrizes de política fiscal e respectivas metas, em consonância com trajetória sustentável da dívida pública. Inclui um parágrafo para determinar que as leis de que trata o artigo 165 da Constituição (Plano Plurinual, LDO e Lei Orçamentária Anual) devem observar os resultados do monitoramento e da avaliação das políticas públicas.

– Estende de 2024 para 2029 o prazo para que estados e municípios paguem seus precatórios.

Tramitação
Houve acordo no Senado e na Câmara para que o rito de votação e tramitação da PEC fosse acelerado, o que permitiu com que fosse votada em dois dias pelos senadores e em três dias pelos deputados.

Após análise, a consultoria do Congresso Nacional recomendou a promulgação da PEC sem necessidade de retorno ao Senado, uma vez que o texto sofreu apenas supressão e não inclusão de novos itens.

* Com informações das Agências Câmara, Senado e Reuters

Via: ANDES-SN.